Nada que é justo é fácil. A luta para continuar o ensino superior
- neilsoncaccum
- 28 de out. de 2023
- 7 min de leitura
A luta dos estudantes de Joaquim Gomes para continuar os estudos no Ensino Superior

Não sei precisar quando o Ensino Médio foi implantado no município de Joaquim Gomes. Sei que nos anos 80-90 e nos primeiros anos do ano 2000, “terminar os estudos” (era assim denominado), aqueles que terminavam o 2º grau (Ensino Médio), salvo em raríssimas exceções, faziam exatamente a mesma coisa: “estar na praça da televisão” batendo um bom papo e paquerando quem estava ou passava por ali. Era certo: terminar os estudos para ficar na praça. Ouvíamos várias pessoas repetindo essa frase.
Em 2003, estando eu, Neilson Gomes, conversando com Liliane Marinho num mercadinho que ficava no bairro da Casal, à época de propriedade do pai desta, falávamos em prestar vestibular, fazer graduação, de futuro, etc. Pessoalmente, meus recursos financeiros eram escassos, não tinha como morar em Maceió ou pagar transporte todo dia; mesmo assim não teria como voltar, porque teria que ser pela noite, já que durante o dia tinha que trabalhar.
A situação era a seguinte: se os pais pudessem bancar, enviavam seus filhos para a capital, senão a praça era o destino certo. Contabilizávamos uma média de menos de um aprovado por ano que conseguia ingressar na UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e quem entrava nesta estatística geralmente eram os que os pais podiam montar uma casa em Maceió e faziam cursinho pré-vestibular, ou os que os pais podiam bancar o transporte geralmente diurno para ir e vir da capital.
A outra opção era o de vestibular Cesmac (Centro de Estudos Superiores de Maceió), instituição de referência, mas infelizmente privada e cara à época; tinha a Uncisal (Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas), mas quase não era conhecida por aqui. Pagar transporte, moradia e uma faculdade privada, que na época era bem dispendiosa, era coisa para poucos abonados.
Retomando à minha conversa com a Liliane sobre as possibilidades de fazer um cursinho pré-vestibular em Maceió, porque ficar na praça da televisão não era para nós uma opção, vislumbramos a possibilidade de conseguir um ônibus do município fazendo este trajeto de Joaquim Gomes – Maceió – Joaquim Gomes. Mau iniciou a conversa já começam as dificuldades, as barreiras impostas, relatos de outras tentativas que não deram certo.

Estudantes conquistaram o direito de transportes para estudar em faculdades na capital alagoana
Definimos uma estratégia que foi a seguinte: bateremos de porta em porta procurando saber quem tinha interesse em fazer um cursinho em Maceió — se fosse hoje ligaríamos ou mandávamos um whatsapp. Muitos riram literalmente e sem qualquer pudor ou constrangimento de nossas caras. Uns diziam que era impossível, outros diziam “se tiver o ônibus eu vou”. Percebíamos nos semblantes destes um total descrédito, provavelmente pensavam: “coitados desses dois jovens sonhadores”. Resumindo: o cenário não era favorável.
Contudo, já conhecíamos alguns poucos que tinham verdadeiramente um desejo de prestar vestibular e estudar em Maceió. Pronto. Nestes nutríamos e renovávamos nosso desejo de conseguir um ônibus.
Segundo passo: procurar o promotor do município, à época Dr. Yuri, que nos atendeu prontamente em sua sala, situada no Fórum da cidade. Seria ele a primeira “autoridade municipal”, que havia dado crédito à nossa causa. Sentíamos que ele falava com sinceridade quando disse que nos apoiaria neste projeto.
Terceiro passo: agendar uma reunião com a secretária de Educação do município para tratar sobre nosso pleito e para nossa assustadora surpresa, alguém marcou uma reunião a toque de caixa, ou seja, soubemos pela manhã que tinham marcado a reunião para a tarde com o prefeito e os vereadores. Pensamos: como assim? Tínhamos nos preparado para uma reunião entre eu, Liliane e a secretária de Educação. Nos apavoramos: e agora o que fazer?

A luta nunca foi fácil, mas valeu muito encarar os desafios para conquistar o ensino superior
Desesperadamente corremos toda a cidade — correr é sem dúvidas a palavra mais adequada — corremos de porta em porta, chamando as pessoas para a reunião (Ah, Zap, como você fez falta naquela época...). Falávamos: pessoal, por favor, compareçam à reunião, marcaram de surpresa, precisamos de vocês.
Mais ligeiramente ainda, corremos até o Fórum da cidade, para falar com o Dr. Yuri, e... Ele não estava. Conseguimos um número de telefone de onde ele estava trabalhando, daí ligamos: “Dr. Yuri! Marcaram uma reunião surpresa, com prefeito, vereadores e secretários, estamos perdidos, vão fechar todas as portas, não estávamos preparados, pois essa reunião não estava programada para agora”.
Dr. Yuri nos pede calma: “Falem com o Juiz, digam ao Dr. Gilvan que foi um pedido meu”. Não nos alegramos, pois não conhecíamos o Juiz e ‘naquela época’ era de praxe os interesses dos juízes de nosso Estado coincidirem com os interesses dos prefeitos, mas mesmo assim falamos com o juiz de Direito da cidade, pensamos: “Estamos ferrados”.

Muitos desses jovens que lutaram na época, hoje já ocupam suas funções profissionais
A reunião aconteceu no início de 2003 no bairro da Casal, os participantes estavam assim divididos: os pretensos vestibulandos de um lado e as autoridades municipais do outro. Puxaram uma cadeira para o centro deles e pediram para o juiz sentar. Pensei de novo: estamos ferrados!, pois confiávamos no promotor, mas o juiz nunca tínhamos sequer falado com ele, a não ser naquela manhã que antecedia a reunião.
Começa a reunião e como já era esperado, foram logo dizendo: Não terá ônibus. Ponto. Passaram cerca de uma hora justificando por que o município não poderia disponibilizar um ônibus, coisas do tipo: “Se nós colocarmos um ônibus para vocês, não poderemos pagar os professores”, “Não temos obrigação, a lei só nos obriga a manter o Ensino Fundamental”, “O pleito de vocês é justo, mas não podemos”.
Falei que precisávamos deste ônibus e que na minha idade “à época”, poderia ter uma graduação e porque não duas graduações, falei também que professores e profissionais de nível superior vinham todos de Maceió e que com esse transporte, esses profissionais seriam da terra, não precisavam vir de fora, vários estudantes falaram, mas não convencíamos. Era 35% disso, 40% daquilo, 45% daquilo outro, que entre nós comentávamos: Eita, já passou dos 100%. Falei que não iríamos desistir e que já estávamos cansados de ouvir que agora não dava, quem sabe no futuro, quem sabe na próxima gestão, etc.

A luta desses estudantes tem o reflexo importante a atual geração juruquense
A conversa fluía, mas nosso objetivo estava fadado ao fracasso, pelo menos naquele momento. O prefeito dizia que não podia, secretários justificavam porque não podiam, vereadores dos poucos que compareceram à reunião só concordavam com o prefeito, quando o prefeito dizia sim, era sim, quando não era não.
E o juiz? Postado no centro da infantaria inimiga, calado, ouvindo. E eu pensando (plagiando o Chapolin Colorado): Se o promotor estivesse aqui, ao menos teríamos alguém para nos defender.
Eis que o juiz naquele momento levanta a mão: “Quero falar um pouquinho também!” E fez um resumo de tudo o que nós, “propensos vestibulandos”, falamos. Ele falou bastante e, felizmente, mesmo estando sentado entre as cadeiras destinadas aos “inimigos”, estava do nosso lado. Falou, brincou e quanto mais falava, mais esperançosos e aliviados ficávamos e proporcionalmente o prefeito ficava vermelho, muito vermelho, mais parecia um tomate.
Por fim o juiz termina: “Falei muito, porque não deixaram eu falar antes e também porque falei por mim e pelo promotor”. Todos nós sorrimos...

Na época, os estudantes encararam as autoridades em busca de ter um direito por estudar em Maceió
A reviravolta: após as palavras do juiz, que foram exatamente o que havíamos falado antes e sem o poder de convencer aqueles “representantes do povo”, agora na voz do juiz soava diferente, talvez pela autoridade conferida ao seu cargo, não sabemos. Mas o importante é que finalmente ele estava do nosso lado. Imediatamente após suas palavras, o prefeito e seus pares tiveram uma conversa que durou cerca de 20 segundos e pronto, eis a decisão: FAÇAM SUAS MATRÍCULAS, VOCÊS TERÃO O ÔNIBUS.
Compreendam bem isso, passamos mais de uma hora ouvindo as justificativas do porque NÃO e numa breve conversa entre os pares com duração inferior a 30 segundos, tínhamos o que queríamos, tínhamos um SIM. Era como se estivessem ratificando que o que faltava não eram recursos, mas sim vontade política. Claro que o que nos interessava era o SIM, FAÇAM SUAS MATRÍCULAS.
Nossa euforia foi contagiante. Claro, a história é longa e várias coisas aconteceram durante e depois. Não detalharemos, pois nosso texto ficaria cansativamente extenso, coisas como: Uma pessoa disse que a secretária tinha falado que os estudantes não tinha capacidade para passar no vestibular da UFAL, e para quê queriam um ônibus? Por causa disso, pensamos em até criar o bloco carnavalesco OS INCAPAZES.
Tempos depois a secretaria tonou-se uma amiga pessoal e disse que jamais teria falado tal absurdo, pareceu sincera.
Um vereador posteriormente me procurou para que eu convencesse os estudantes para esquecerem o destino Maceió, e seguir para estudar na Famasul (Faculdade de Formação de Professores da Mata Sul), em Palmares (PE), pois segundo as palavras do mesmo: é que seria mais seguro. E várias outras coisas: gestores cortando o transporte, alunos fazendo protestos, lei municipal garantindo o transporte dos estudantes, etc.

Já com o transporte, os jovens estudantes viviam um sonho realizado
Resultados: nos primeiros 4 anos de ônibus para os estudantes em Maceió, já tínhamos mais estudantes na UFAL do que em toda história pregressa de Joaquim Gomes.
Hoje, decorridos mais de 20 anos daquela batalha conquistada, as minhas palavras tornaram-se realidade. O destino foi generoso, temos incontáveis profissionais de nível superior, de diferentes áreas, atuando em nosso município. Filhos dessa amável terra, temos alguns mestres e um doutor em Matemática. Temos mais de um ônibus só para os estudantes da capital, temos dezenas de graduandos estudando em várias instituições públicas e privadas.
O futuro chegou.
Alguém tem que acreditar primeiro, daí outros acreditarão. Alertamos que a jornada não será fácil. Nada que é justo é fácil. Alguns poderão até rir de você, mas por fim, depois de muito suor, o resultado será certeiro como a flecha de Ulisses.

Neilson Gomes, é um dos personagens que iniciou essa luta para conquistar seus ideais, hoje são inúmeros Neilsons que estão por toda parte de Joaquim Gomes
Matéria publicada pela primeira vez em 23 de setembro de 2016 por: jgnoticias.com
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